domingo, 8 de março de 2015

Ela não se lembra

Fui visitá-la naquele lugar estéril. Detesto vê-la lá. Um quarto minúsculo onde colocaram 2 camas de solteiro, 2 mesas de cabeceira e um aquecedor. Ao lado dela está uma senhora que grita durante a noite e dia, que nos chama os nomes de quem eu acredito serem seus familiares. Não há televisão, ela diz que não faz falta, que já não vê muito. Nós dizemos que lhe podemos trazer um rádio, ela recorda-nos que já lhe trouxeram um e que está guardado na mesa de cabeceira. Ela está deitada na semi-obscuridade porque já não tolera os raios de sol, raramente se levanta, mal aguenta as dores que os bicos de papagaio e a coluna deslocada lhe provocam mas não quer ficar confinada à cama.

Falo com ela, pergunto-lhe como está. Ela diz-me que tem uma orelha infectada porque andou a coçar uma borbulha e que rebentou. Ela não pediu ajuda porque não gosta de incomodar e agora tem a orelha com uma ligadura.
O B. dá-lhe um beijo, ela diz "meu rico menino, está tão grande" e nós falamos mais um pouco. Sobre tudo, sobre nada. Nunca me esforcei tanto para manter um diálogo, para introduzir temas e coisas animadas na conversa. Ela diz-me outra vez que tem uma orelha infectada porque andou a coçar uma borbulha e que rebentou... repete isto mais umas 3 vezes enquanto lá estou. Ela não se lembra que já o tinha dito e nós "fingimos" que não sabíamos...

Hoje a conversa foi um pouco diferente. Por norma ela lembra-se do passado, hoje ela disse que não se lembrava se tinha chegado a ser operada às cataratas ou não e eu disse-lhe que sim, que tinha ficado comigo na altura. Ela ficou admirada quando lhe falei do tempo em que ela viveu comigo enquanto eu estava grávida. Ela não se lembra. Depois pediu-me desculpa por não se lembrar e começou a chorar.

Gostava tanto de poder fazer alguma coisa por ela, de ter dinheiro para a ter em minha casa comigo. Custa-me tanto ouvi-la dizer que quer morrer, que não quer sofrer mais, que não está cá a fazer nada...custa-me tanto que os meus tios não me deixem fazer mais por ela, que me cortem as pernas.

2 comentários:

  1. Acredito que seja muito difícil, felizmente ainda não passei por situação similar. Acho que o mais importante é fazeres o que podes e ires visita-la já é muito bom.

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    1. Infelizmente não posso fazer mas não acho que o que faço seja suficiente ou bom. Queria tirá-la daquele lar e colocá-la num outro (infelizmente não a posso trazer para minha casa). Neste último sei que eles tratam bem os idosos, onde ela está tenho as minhas dúvidas (apesar de ser público, creditado pela SS e ser aparentemente todo legal e bonito). Ela não diz tudo, aliás nem sempre diz coisa com coisa, mas a verdade é que eu já vi coisas que me fizeram ficar alerta mas ninguém me dá ouvidos e eu não posso fazer nada.

      Não foi nada suficientemente grave para alguém dar valor mas são atitudes, pequenas coisas, que são feitas à frente de quem lá está que eu fico a pensar que se o fazem à nossa frente, o que não farão nas costas. São principalmente atitudes de quem não tem um pingo de carinho ou compreensão para com idosos. Pessoas que trabalham ali contrariadas e que se nota que só querem saber do dinheiro que aquele trabalho lhes pode trazer.
      Por exemplo, estava uma vez num sofá com a minha avó no lar e elas vieram trazer o lanche a todos. Então eu abri o iogurte à minha avó mas a senhora ao lado dela não o conseguia abrir, eu só me apercebi passado um bocado e abri-lho. Uns minutos depois chega lá a empregada e arranca-lo da mão. Nem perguntou se queria ou não! Fiquei possessa! Disse-lhe que a senhora ainda mal tinha tido tempo para beber (o facto do iogurte estar cheio não a preocupou, ou seja não lhe importou se a senhora estava a comer ou não), ela respondeu toda contrariada que já lho tinha deixado lá à muito tempo e foi quando eu lhe disse que ela o tinha deixado por abrir, que a senhora não o conseguia abrir sozinha e que por isso só tinha começado a beber pouco antes. Eu sei que ela não gostou do que ouviu e isso deixa-me com medo. O que se passará ali quando ninguém de fora está? Nós não podemos entrar lá quando quisermos. Só das 15h às 17h!! Acho um absurdo.

      Mas a minha avó já me disse uma vez: "Vocês sabem lá o que é viver aqui". Dá-me imenso medo do que ela possa estar a passar, do que ela possa estar a omitir para não nos preocupar ou por achar que ninguém pode fazer nada... Por isso, eu queria-a fora dali mas não posso. Legalmente quem manda são os meus tios, não eu e nem mesmo o facto do lar onde eu a queria colocar ser quase metade do preço eles aceitam porque dá trabalho! Revolta-me tanto.

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